A Mulher e a sua Perseverança, por Johnny Ribeiro

Era uma vez um lugar bonito, repleto de encantos. A menina olhava para o quadro negro, onde as letras se espalhavam pela sala, fascinada por tantas coisas a aprender. No seu primeiro dia de aula, a curiosidade pulsava em seu peito. Vinda de uma família humilde, deslumbrava-se com a beleza dos livros e o poder das palavras.

A menina tinha os mais belos sonhos possíveis. O primeiro de todos era ler uma história de princesa para a irmã mais nova e, quem sabe um dia, conseguir um diploma para poder ler e contar belos contos de fadas a muitas outras crianças.

No seu primeiro dia de aula, um tanto quanto mágico, chegou em casa falando pelos cotovelos, contando tudo para a mãe, tão cansada da rotina de trabalho. Ela era a filha mais velha de três irmãos e enfrentava desafios desde cedo. Seu pai era alcoólatra e sua mãe, uma mulher forte, lutava sozinha com o peso da responsabilidade, trabalhando durante o dia e costurando à noite. Naquele lar, a menina chorava ao ver sua mãe tão cansada; às vezes, a mãe a incentivava, mas no peito daquela menina, de nome Maria, algo gritava tão forte. Via sua mãe, Dona Josefina, tossir forte à noite. Eram os anos 50, e aqui no Brasil, especialmente no interior, coisas ruins aconteciam.

Maria aprendeu a ler com a autoridade a mais inteligente daquela sala de aula. Infelizmente, ao ver a mãe chorar tantas vezes e os maus-tratos de seu pai, escolheu defender sua família. Era uma menina de 8 anos indo para o pau de arara ajudar sua mãe, de 30 anos, a sustentar os pequenos irmãos de 4 e 3 anos, sob o cuidado de um homem vagabundo chamado José, apelidado de Zé da Boêmia, que trabalhava para beber cachaça e batia na mulher e nos filhos.

De tanto ver a mãe e os irmãos sofrerem maus-tratos, Maria, determinada, enfrenta seu pai. Aos 8 anos, com coragem, acerta a cabeça dele com um porrete, e ele cai desmaiado. A menina, desesperada, pensa que tinha matado o infeliz. Dona Josefa, com o amor de uma mãe, a abraça e a acalma. Os vizinhos chamam a polícia, que, no entanto, nada faz com aquela menina, apenas leva o infeliz para o hospital.

Em alguns dias, ele já está curado e foge do hospital antes de receber alta, desaparecendo deste mundo sem dar mais notícias. Os anos se passam e Josefa começa a adoecer. O ano é 1958, o primeiro título da Copa do Mundo; o rádio, na narração de Edson Leite, gritava que o Brasil era campeão. E, no chão, caía Dona Josefa, sem vida, vítima de um ataque fulminante do coração.

Lágrimas de Maria e das crianças escorriam enquanto a mulher vinda do Nordeste era enterrada em um cemitério, em um caixão fornecido pela prefeitura, que já se quebrava ao se jogar à terra sobre ele. Maria via aquilo e se arrepiava, chorando enquanto abraçava seus irmãos, a pequena Mariana, de 12 anos, e Marcos, de 11. Sem saber o que o futuro lhes reservava, agora eram três bocas a sustentar e apenas um pequeno salário, com os meninos na escola. Maria queria que eles pudessem fazer o que ela não pôde.

Em um dia de luto, vários pensamentos afluíam à sua mente, trazendo ideias produtivas para ela conseguir sustentar sua família. Pela manhã, foi trabalhar de pau de arara. À tarde, quando chegou, ainda brilhava o sol. Juntamente com seu irmão mais novo, saiu batendo nas casas, procurando roupas para lavar. E, como Deus ajuda quem cedo madruga, em um único dia, ela conseguiu dois clientes. À beira do tanque, cantando, lavava com alegria, e sua irmã, já moça, começou a ajudá-la. No entanto, Maria queria que ela se esforçasse na escola e dizia: “O que eu não fui, vocês serão. Se não tiver tarefa escolar, pode sim, ajudar, mas se tiver, tem que acabar.” E naquela casinha perto da linha, Maria vivia com seus irmãozinhos, na labuta, na luta, na honra e na glória. Vários clientes apareciam, e Maria, caprichosa como todos a chamavam, ganhava fama pela cidade.

Marcos, menino sapeca, gostava de jogar bola. Mariana, menina estudiosa, gostava de cantar e via em sua irmã um orgulho que, mesmo com a vida sofrida, ainda a beleza acompanhava. Seis anos se passaram, e a maioridade de Mariana chegara. Um emprego ela conseguiu em uma fábrica de balas; começaria a ajudar em casa.

Maria já não trabalhava na roça; sua única atividade era lavar e passar roupas. Com a ajuda de Marcos, agora eles tinham uma pequena lavanderia, e a casinha à beira da linha era conhecida como a casa da Maria Caprichosa, que lavava desde roupas finas até tapetes e coisas grossas. Comprou máquinas porque Marcos adorava ler jornais e conhecia de tudo. O menino jogava bola e escrevia poesia; já era homem feito, e contra tudo que acontecia naquele período da ditadura militar, a censura acontecia. A calamidade no país afetava a todos. Para quem gosta de se expressar, via a conturbação, a tortura de muitos e os protestos que aconteciam diariamente, o medo de uma sociedade machista afetando o desenvolvimento.

Um cliente novo apareceu; usava farda, era um soldado, o típico garanhão, homem másculo, de olhos claros, que se encantou por Maria, aquela mulher pura que viveu para sua família. No auge dos seus 22 anos, ela se encantava pela primeira vez. Lembrou-se das novelas que assistia na TV e que também ouvia quando criança no rádio, junto de sua mãe, Josefa, que dizia para ela se acalmar, pois, o homem certo logo chegaria. E ela pensou: será que é esse, tão bonito e educado?

Seu nome era Belarmino, ou melhor dizendo, Tenente Belarmino, que veio trabalhar por ali fazendo a ronda da cidade. Um homem de 30 anos que cortejava sempre Maria, levando flores e bombons. Muitas vezes, ele era encarado com desdém por seu irmão Marcos. Aos poucos, Belarmino conseguiu conquistar Maria, que começou a namorar ele.

Ela, sempre independente e guerreira, tinha a fibra de sua mãe e amava profundamente seus irmãos. Era uma moça direita que sempre levava em seus pensamentos os ensinamentos de sua mãe e os sonhos dos livros que lia junto da irmã. Maria sonhava com uma festa de casamento, com um longo vestido branco, a música tocada no piano e o padre dando sua bênção a eles; a menina casando-se virgem e pura. Mas, infelizmente, a vida lhe pregou uma rasteira. Mais uma batalha, mais uma luta e a pior coisa de sua vida…

De homem bondoso, Belarmino se mostrou um canalha; essa era sua verdadeira face. De flores e bombons, passou a ameaças e tragédias. As lágrimas daquela menina moça, a indecência de um homem do governo, um estrupo, um trauma. Maria não mais teria uma luta. Imagine-a sem poder contar com as autoridades e sem apoio, e aquele homem asqueroso ameaçando-a, enquanto ela trancava toda a casa e protegia com a vida seus irmãos, disposta a fazer qualquer loucura para se proteger e enfrentar as ameaças daquele homem, lutando para ser mais forte que a dor e a vergonha. Em seus pensamentos, o ódio a consumia, a dor de uma mulher violentada.

Pela manhã, em seu quarto, ela chorava. Sua irmã a via e perguntou o que estava acontecendo. Maria respondeu: “Fui estuprada. Meu sonho não se realizará, agora sou uma mulher impura e envergonhada.” Atrás da porta, Marcos escutava e seus olhos se encheram de lágrimas. Ele entrou no quarto disfarçando a tristeza com uma poesia para alegrar, falando de Fernando Pessoa e da alegria que era poder ter às duas com ele; e que, por elas, ele faria qualquer coisa. O jovem, que lutava em protestos contra a ditadura, soube que um homem do governo havia feito aquilo com sua irmã. Mesmo ela suplicando para que ele não fizesse nada, ele não acatou. Do seu jeito, armou uma armadilha.

Era a hora de vingar a honra de quem sempre lutou por ele!

No final da tarde, lá vinha Belarmino, sozinho como sempre, indo até à padaria. Marcos, com um porrete na mão, o pegou de surpresa: quatro golpes na cabeça, dois na costela; ele caiu desacordado. Marcos lhe deu uma escarrada na cara e vários chutes no estômago. Não conseguiu finalizar; não o matou, mas o deixou todo machucado, sem possibilidade de se levantar. Então ele correu para casa. Maria, já com uma bolsa arrumada e uma passagem comprada, se despediu; levou consigo todo o dinheiro que tinha, roupas e alguns alimentos, e foi embora daquele lugar, salvando a vida de seu irmão, sem pensar em si em nenhum momento.

Corridos para a rodoviária, aflitos, indo para Minas Gerais, casa da tia Lila, que há anos não viam. Juntaram todo o dinheiro economizado e partiram para se esconder, esperando que lá algo bom pudesse acontecer.

Embarcaram para a cidade de Belo Horizonte, a capital mineira. O endereço anotado na caderneta, tia Lila assustou-se ao ver seus três únicos sobrinhos na porta de sua casa. Uma senhora viúva e já idosa os recebeu e perguntou o motivo de sua visita.

Maria explicou todos os detalhes, dizendo que a vida estava sendo generosa com ela, pelo menos uma vez; tinha uma grande clientela. Mariana trabalhava fora e ajudava em casa. Elas estavam economizando bastante e queriam uma melhora. Marcos ajudava muito Maria e terminara a escola; já tinha seu diploma e queria estudar mais e trabalhar em outro lugar, assim aumentando a renda familiar. Explicou para a tia que, por causa dela, tudo foi por água abaixo e que os sonhos dos irmãos nunca se realizaram.

Sua tia a abraçou, olhou em seus olhos e perguntou: “E os seus, onde estão?” Maria replicou que ela tinha que cuidar deles, que era sua obrigação, a promessa que fizera à sua mãe.

“A sua mãe… a que também deseja a sua felicidade, a que queria que você fosse professora.” Tia Lila os abrigou. Marcos não saía de casa; Maria e Mariana procuraram emprego e logo encontraram: às duas em uma fábrica de doces caseiros, ganhando pouco, mas o suficiente para se manterem por enquanto e logo procurarem um lugar para viver.

Os meses se passaram e Marcos começou a procurar emprego, encontrando um, na casa de um professor universitário, como jardineiro. Com apenas 18 anos, um homem formado, que falava muito bem o português e adorava ler poemas, carregava sempre um livro na mochila. Era um rapaz bonito e respeitoso com todos.

Mariana trabalhava em uma fábrica e se destacava entre as funcionárias. Maria enchia-se de orgulho quando sua irmãzinha ganhava um aumento e era promovida a encarregada. Com o passar dos meses, Maria, sempre guerreira, conseguiu um bico no final de semana em uma lanchonete. Aprendeu a atender mesas.

Um ano se passou e Marcos foi chamado para falar com seu patrão, sem ao menos saber o porquê, e, para sua surpresa, era coisa boa. Marcos ganhou uma bolsa para fazer o curso de Direito na universidade, uma alegria tão grande que ele não conseguia se expressar. Mas, junto com a alegria, sempre vem um dilema: o trabalho ou os estudos?

Chegando em casa, com o sorriso estampado no rosto, contou às irmãs. Marcos disse: “É o que eu quero, mas não o que é necessário.” Maria, a chefe da família, disse: “É o que você vai fazer, e pronto.” Mariana, concordando e cheia de alegria, disse: “Vamos nos esforçar, não se preocupe, irmão, vai dar tudo certo.” E os três comemoraram com sorrisos e alegria.

Mariana conheceu Jean, um jovem com aparência de rapaz de família e muito dedicado, que a perseguia todo dia querendo ser mais que amigo. Trabalham na mesma fábrica; ele faz parte do RH e ela, como líder de setor. Com o passar do tempo, começaram a namorar.

Maria lembra dos ensinamentos de sua mãe e agora também do curso noturno, que a faz ler e entender melhor as coisas. Lembra que sua mãe a ensinou a costurar as roupinhas de boneca para Mariana e as camisas para Marcos. Maria resolve empreender um pouco e atender mais a outros assuntos. A menina que agora é mulher, a que nunca desistiu e enfrentou o que a sociedade dizia, se aperfeiçoa mais em costura e começa a produzir roupas, vendendo-as e aumentando assim a renda familiar. Com um espírito inovador e cheio de sonhos, em um belo dia na feira, conhece um rapaz chamado Arlindo, que se apaixona por Maria. Esta, receosa após sua última experiência com relacionamentos, se esquiva a todo custo de Arlindo.

Marcos encara os estudos como prioridade; ele quer dar orgulho às irmãs e não falta em nenhuma aula, prestando atenção em todas as matérias. Mas, em uma escola de ricos, um pobre se ferra. Sem querer, ganha inimigos que zombam dele e, por muitas vezes, engole a seco cada brincadeira que fazem.

Um belo dia, Maria vai até à faculdade de Marcos tentar vender suas roupas. Marcos, ao ver a irmã, vai até ela ajudá-la a montar sua banquinha com roupas que ela mesma faz. Aqueles garotos ricos vão até ele e zombam por ele ser bolsista e a irmã “camelo”. Marcos sorri de canto de boca, como se aquilo fosse uma piada, o que irrita completamente um dos rapazes, chamado Igor, folgado e aclamado pelas meninas, que já tem um carro do ano. Ele se aproxima de Marcos, que se esquiva de todos os socos e lhe diz para parar com aquilo, que não quer briga, apenas estudar, ressaltando que respeito é uma coisa que todos nós merecemos.

Igor ainda quer briga, mas Marcos apenas ajuda a irmã a vender suas roupas. Uma garota aparece e interfere, defendendo Marcos e acabando com a briga, permitindo que ele siga ajudando a irmã. Maria, com sua humildade, agradece muito àquela moça, que se apresenta como Vanessa, estudante da mesma turma que Marcos, que nunca a havia percebido, pois, estava sempre muito concentrado nas matérias.

E tudo passa. Até mesmo os preconceituosos, às vezes, têm que engolir, e foi assim que engoliram Marcos, que se tornou o melhor da turma e se formou com méritos, conseguindo um ótimo emprego ao fim da faculdade e se apaixonando pela sua defensora, Vanessa.

Maria abriu uma confecção de roupas com vários funcionários, casou-se com Arlindo e teve um filho, João Pedro. Mariana namorou por 10 anos com Jean; ela não quis se casar e viveu a vida de uma maneira correta, sempre olhando com os olhos brilhantes para a irmã, cheia de orgulho do homem que o irmão se tornou hoje.

Os sacrifícios de Maria pelos irmãos valeram a pena. Isso pode ser uma história fictícia, mas pense: se você corre atrás, você alcança.

E sobre Belarmino, após anos, Marcos virou procurador do estado de São Paulo e, logo após a ditadura, o garoto conseguiu prender o homem que tirou a força a mocidade de sua querida irmã.

A vida é uma montanha-russa: às vezes estamos no auge, nas alturas, e em outras, descemos em um precipício. Nunca podemos desistir de ser melhores.

Comentários ao texto:
Essa é uma história de época. As narrações aqui elaboradas são de termos usados na época. Atualmente, no ano 2024, as mulheres possuem o livre-arbítrio de usarem os seus corpos como quiserem e convierem, exceto em algumas situações onde a constituição federal não permite.

Em situações de violência doméstica e/ou de gênero, denuncie:

Ligue 180; 

Busque a delegacia da mulher mais próxima;

WhatsApp: (61) 9610-0180

Ligue para a polícia: 190

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Seriam as mulheres mais evoluídas?

Jacilene Arruda é responsável pela coluna A Voz para Elas na Revista Poesias & Cartas. + 55 31 99531-5732, instagram @evolucaoeconhecimento

1 thought on “A Mulher e a sua Perseverança, por Johnny Ribeiro

  1. Na atual cultura patriarcal, violenta, inteiramente psicopata, a mulher acaba sendo tratada como capacho de homens tenebrosos, fingidões e quase sempre escudados por hipócritas religiosos, que defendem a cruenta submissão inquestionável de um ‘ser humano’ que usa a temporária roupagem de carne em formato feminino.

    Pois tenham coragem e fujam desse inferno em vida, minhas amigas

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